A versão e os fatos (por Marino Boeira)
Um dos casos onde a versão, mesmo falsa, é mais aceita do que a realidade dos fatos é a questão da Palestina. Há muitos anos, os grandes veículos da mídia vendem a ideia de que Israel é um pequeno Estado, ameaçado permanentemente por árabes hostis, interessados apenas em destruir uma bem sucedida experiência de desenvolvimento social e econômico em terras antes pouco aproveitadas.
Essa versão se transformou em dogma e quem tentar levantar argumentos contrários a ela é imediatamente taxado de antissemita e, como tal, tem seus argumentos – ainda que bem fundamentados – totalmente desprezados.
Mesmo um historiador e professor universitário como Norman Gary Finkelstein, um judeu americano, especializado na história de Israel, sofre este tipo de discriminação. Em 2008, vindo de Amsterdam, ele foi impedido de entrar em Israel por suas posições, consideradas pelo governo de Israel como antissemitas, manifestadas nos vários livros que escreveu e proibido durante de 10 anos de entrar no país.
Isso, que Finkelstein é filho de pai e mãe judeus, sobreviventes do Holocausto. Sua mãe, Maryla Husyt Finkelstein, filha de um judeu ortodoxo, sobreviveu ao gueto de Varsóvia, ao campo de concentração de Majdanek e a dois campos de trabalhos forçados, além de ter perdido toda a sua família durante a Segunda Guerra Mundial. O pai de Norman, Zacharias Finkelstein, também foi um sobrevivente, tanto do gueto quanto do campo de concentração de Auschwitz.
Mas, o que diz, por exemplo, Finkelstein, em um dos seus livros mais conhecidos: "Israel – Palestina – Imagem e realidade do conflito" – que cobre o período de 1947 a 2002, quando da invasão do sul do Líbano por Israel. (Quem estiver interessado em conhecer este último evento não deve deixar de ler Pobre Nação, do inglês Robert Fisk):
1) Que, quando da repartição da Palestina pela ONU em 1947, os judeus receberam 60 por cento das terras – coincidentemente as melhores para a agricultura porque tinham mais água (vital na região) –, embora a população se dividisse em 1 milhão e 300 mil árabes e 600 mil judeus.
2) Que, mesmo na área destinada à Israel pela partilha, a população árabe era praticamente a mesma dos judeus.
3) Que, embora tendo aceito a partilha, o governo judeu sempre planejou ocupar toda a Palestina, porque um estado judeu, do Jordão ao Mediterrâneo, sempre foi um ponto de honra na versão sionista.
4) Que Israel aproveitou a guerra de 1948 para expulsar pela força os palestinos que viviam em terras que formariam, segundo a ONU, o Estado de Israel, tomando suas casas e terras sem qualquer indenização.
5) Que, em 1958, Israel desenvolveu uma guerra de conquista contra o Egito para ocupar a área do Sinai, com apoio da Inglaterra e da França, e só recuou porque perdeu apoio americano e pela ameaça de intervenção da União Soviética.
6) Que, nos anos seguintes, realizou operações de conquistas em áreas pertencentes a Síria e a Jordânia, ocupando terras que destinou a formação de colônias agrícolas para os judeus.
7) Que, em 1967, com apoio norte-americano, iniciou um ataque de surpresa contra o Egito, ocupando áreas de Gaza e do Sinai, com a desculpa de neutralizar a liderança que Gamal Abdel Nasser começava a desenvolver entre os árabes. O histórico dirigente judeu Bem Gurion, temia que Nassar pudesse se transformar num novo Ataturk, o homem que moldou a Turquia moderna e secular.
8) Que, entre 67 e 73, Israel desconsiderou todas as ações da ONU (a famosa resolução 142) no sentido de devolver as áreas conquistadas militarmente do Egito e da Jordânia, levando os árabes a iniciar uma guerra pela reconquista de suas terras.
9) Que Israel nunca pôs em prática os acordos de paz de Oslo que garantiriam o surgimento de um Estado Palestino na área originalmente definida pela ONU e a solução do problema dos refugiados palestinos expulsos de suas terras.
10) Finalmente, o mais importante que diz Finkelstein, amparado em documentos originários de fontes israelenses, é que a política externa de Israel, independentemente de qual fosse seu governo, sempre teve como meta reconstruir a geografia de Israel inspirada nos discutíveis relatos bíblicos sobre a sua extensão original, mesmo que para isso tivesse que tomar as terras secularmente em mãos dos árabes. Para isso, seus líderes seguiram duas tendências: a primeira foi de expulsar os palestinos de suas terras com uma política de transferências forçadas, numa espécie de limpeza étnica. Mais tarde, quando essa prática foi condenada por quase todo o mundo, optaram pelo modelo sul africano do apartheid. Ou seja, aceitaram, ainda que com restrições, a existência de regiões fragmentadas que ficariam sob o comando de uma fragilizada Autoridade Palestina, lembrando os antigos bantustões da África do Sul.
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Marino Boeira é professor universitário